Pobres Criaturas

Crítica – Pobres Criaturas

Sinopse (Festival do Rio): A fantástica evolução de Bella Baxter, uma jovem que é trazida de volta à vida pelo brilhante e pouco ortodoxo cientista Dr. Godwin Baxter. Sob a proteção de Baxter, Bella está ansiosa para aprender. Desejando conhecer mais sobre o mundo, Bella foge com Duncan Wedderburn, um advogado astuto e debochado, para uma aventura por vários continentes. Livre dos preconceitos de sua época, Bella se firma em seu propósito de defender a igualdade e a libertação.

Heu lembro de quando eu fui ver O Lagosta no Festival do Rio de 2015. Era um filme maluco com uma ideia maluca – uma sociedade onde se você chega a uma certa idade e não casou, você tem que ser transformado em um bicho. Não faz o menor sentido, mas dentro da lógica do filme funciona redondinho. A partir daí guardei o nome do diretor, Yorgos Lanthimos. E parece que não fui só heu, porque esse filme abriu as portas do cinema internacional pra ele, que então fez O Sacrifício do Cervo Sagrado e A Favorita – que concorreu a dez Oscars, incluindo melhor filme, melhor direção e melhor roteiro, e deu o Oscar de melhor atriz pra Olivia Colman.

E agora chega Pobres Criaturas (Poor Things, no original). Na minha humilde opinião, o seu melhor filme.

Pobres Criaturas não é um filme fácil. Não é fácil na forma, porque ele tem um visual esquisito, tem atuações esquisitas, tem personagens esquisitos, e também tem uma trilha sonora esquisita. Tudo no filme é esquisito! Além disso, não é fácil pela temática, porque a gente vê tabus sexuais sendo abordados de uma maneira nada convencional.

A história aqui é bem esquisita: um médico que é uma espécie de doutor Frankenstein, que faz experiências fora do convencional (por exemplo, ele tem bichos na casa dele que são misturados, como uma galinha com cabeça de porco ou um cachorro com cabeça de pato), faz uma experiência onde ele coloca o cérebro de um bebê na cabeça de uma mulher adulta.

Uma coisa que ajuda tudo a ficar estranho é que o diretor fica alternando a lente que ele usa para filmar. Às vezes ele usa lentes normais, outra vezes, lentes que distorcem a imagem (ele fez isso em A Favorita, com aquela lente “olho de peixe” que deixa as beiradas arredondadas). E ele ainda alterna entre colorido e preto e branco. Deve existir algum significado por trás dessas alterações todas, mas heu não captei.

Alguns cenários do filme tem um que de steampunk – ao mesmo tempo futurista e retrô. As cenas em Lisboa mostram um teleférico bem diferente do que estamos acostumados, e Alexandria tem um cenário impressionante. Também preciso dizer que curti muito a trilha sonora de Jerskin Fendrix – segundo o imdbd, é a sua primeira trilha!

O elenco todo está muito bem. William Dafoe está ótimo como sempre, Mark Ruffalo também está bem. Mas preciso falar da Emma Stone, que provavelmente vai concorrer ao Oscar por causa deste papel (ela já tem um por La La Land). Ela está sensacional, sua personagem tem uma evolução – ela começa agindo como se fosse uma criança e vai evoluindo ao longo do filme. E sim, o filme tem muitas cenas de nudez e muitas cenas de sexo.

O filme ainda aproveita pra levantar questões sobre determinados comportamentos sociais, como sexo, masturbação e a posição da mulher na sociedade. É daquele tipo de filme que fica martelando ideias na cabeça pelos dias posteriores.

Pobres Criaturas é sem dúvida um dos melhores filmes do ano. Pena que não dá pra recomendar pra qualquer um.

A notícia ruim é que, segundo o Filme B, Pobres Criaturas só estreia dia 01 de fevereiro do ano que vem. Vai demorar pra conseguir trocar ideias com alguém, assim como vai demorar pra conseguir rever o filme.

Asteroid City

Crítica – Asteroid City

Sinopse (google): Asteroid City decorre numa cidade ficcional em pleno deserto americano, por volta de 1955. O itinerário de uma convenção de Observadores Cósmicos Jr./Cadetes Espaciais (organizada com o objetivo de juntar estudantes e pais de todo o país para uma competição escolar com oferta de bolsas escolares) é espetacularmente perturbado por eventos que mudarão o mundo.

Filme novo do Wes Anderson!

Já comentei aqui que Wes Anderson é um dos últimos “autores” do cinema atual. Um filme dele tem cara de filme dele. O cara é obcecado por enquadramentos perfeitos, tudo em cena está milimetricamente posicionado – o tempo todo. Cada enquadramento do seu filme é perfeito, cada movimento de câmera é perfeito. Claro que reconheço o valor de um filme assim.

Vou além: o filme traz uma metalinguagem, um “filme dentro do filme”, tem um dramaturgo contando uma história, e essa história é o Asteroid City. E Anderson usa formatos diferentes pra cada momento. O filme alterna entre uma imagem p&b meio quadrada (parece o antigo 4×3) quando está com o dramaturgo e o tradicional letterbox colorido quando conta o filme em si.

O visual é fantástico. Mas, por outro lado, quase não tem história. Tirando um evento lá pelo meio do filme, nada acontece. E assim o filme fica cansativo. Fui até checar a metragem, Asteroid City tem 1h45min, mas parece ser mais longo!

Talvez o problema seja não ter um protagonista com uma história principal. Parece que estamos o tempo todo vendo personagens secundários em tramas paralelas.

O elenco é fantástico. Raras vezes a gente vê tantos atores famosos juntos. Foi assim com Oppenheimer, é assim de novo em Asteroid City: Tom Hanks, Edward Norton, Adrien Brody, Tilda Swinton, Steve Carell, Bryan Cranston, Willem Dafoe, Matt Dillon, Jeff Goldblum, Scarlett Johansson, Margot Robbie, Jason Schwartzman, Maya Hawke, Jeffrey Wright, Hope Davis, Liev Schreiber, Sophia Lillis, Tony Revolori – entre outros. Ainda tem uma participação especial do Seu Jorge, ele está no grupo do cowboy Montana. Mas… Diferente de Oppenheimer, que tem um grande elenco e grandes atuações, aqui todas as atuações parecem propositalmente robóticas – combina com o estilo do diretor, mas torna o filme ainda mais cansativo.

Ok, reconheço que vou soar um pouco incoerente agora, porque sempre defendi que a forma vale mais que o conteúdo, sempre defendi que prefiro filmes com visuais fantásticos mesmo que as histórias fossem fracas. Mas, aqui em Asteroid City isso não funcionou. É um filme indubitavelmente bonito. Mas seria melhor se fosse um curta metragem.

Planeta Fantástico

Crítica – Planeta Fantástico

Sinopse (imdb): Em um planeta distante onde gigantes azuis governam, humanoides oprimidos se rebelam contra seus líderes mecânicos.

Quando a gente pensa em longa de animação, a primeira coisa que a gente pensa é em filme infantil. Bem, nem toda animação é infantil. Ficção científica, Planeta Fantástico é um bom exemplo.

Dirigido por René Laloux em 1973, Planeta Fantástico (La Planète Sauvage no original) foi baseado no livro “Oms en série”, escrito por Stefan Wul apresenta um mundo diferente, onde os habitantes são humanoides azuis, os “draags”, muito maiores que os humanos. Sabemos disso porque eles usam humanos, chamados de “oms”, como animais de estimação.

Apesar de ter sido idealizado na França, Planeta Fantástico foi animado na Checoslováquia, e teve atrasos na produção porque em 1968 a União Soviética invadiu a Checoslováquia. O filme demorou cinco anos para ser finalizado.

Tenho dois comentários quase opostos sobre a técnica de animação. O primeiro é um elogio à riqueza visual do planeta Ygam. Pensa só: era 1973, se fosse um filme, usaria cenários toscos e animatronics igualmente toscos, dificilmente ia ter um visual impressionante. O fato de ser uma animação permitiu algumas excentricidades visuais, tem alguns animais e plantas bem “fora da caixinha”, isso foi muito positivo. E a excelente trilha sonora de rock psicodélico composta por Alain Goraguer ajuda a criar esse clima.

Por outro lado, a qualidade da animação é bem básica. Às vezes parecia aquelas animações de colagens feitas pelo Terry Gilliam nos filmes do Monty Python. Mas, não me pareceu um problema, e sim uma opção estilística. Ok, aceito. Mas, me sinto na obrigação de avisar que a animação é bem simples.

O tema do filme levanta interessantes discussões sobre aspectos sociais e políticos, sobre oprimidos e opressores, cutuca a religião, e ainda levanta questões sobre o modo como cuidamos de nossos animais de estimação. Daqueles filmes que te fazem pensar quando acaba.

Normalmente sou contra refilmagens, mas, taí, seria legal uma nova versão deste filme, desta vez em live action, explorando os efeitos visuais que temos hoje em dia. Será que um dia vão fazer?

Beau Tem Medo

Crítica – Beau Tem Medo

Sinopse (imdb): Após a morte repentina de sua mãe, um homem gentil e atormentado pela sua ansiedade enfrenta seus medos mais obscuros enquanto embarca em uma jornada épica e Kafkeana de volta para casa.

Escrevo críticas há mais de dez anos. Normalmente, quando acaba uma sessão, já começo a pensar no que vou comentar aqui. Mas, quando acabou Beau Tem Medo, travei. Não tenho ideia do que vou falar.

Beau Tem Medo (Beau is Afraid, no original), é o novo filme escrito e dirigido por Ari Aster, diretor de Hereditário e Midsommar, dois filmes que heu gosto muito – e por isso, estava na minha lista de expectativas para 2023. Terror psicológico, clima tenso, sem jump scares, mas com cenas fortes e extremamente bem filmadas, Ari Aster conquistou meu respeito e minha admiração, claro que quero ver seu(s) novo(s) projeto(s).

Mas, preciso dizer que desta vez não rolou. Não curti Beau Tem Medo. E, diferente dos dois anteriores, não tem nada de terror aqui.

Existem filmes onde tudo é explicado, e existem filmes que deixam lacunas abertas para interpretação do espectador. Um tipo não é melhor nem pior do que o outro, são apenas estilos diferentes. Gosto de Buñuel, gosto de alguns filmes do David Lynch, muitas vezes curto a experiência sem entender o que o filme queria me dizer.

Mas, na minha humilde opinião, o problema de Beau Tem Medo não é ser um filme sem explicações, e sim ser um filme chato. Tem uma parte no meio, onde entra uma animação no meio da peça de teatro, onde quase dormi. Achei chaaaato… Depois olhei no relógio, ainda tinha mais de uma hora de filme!

Pena, porque algumas partes do filme são bem instigantes. Gostei da parte inicial, que mostra a vizinhança maluca onde o Beau mora – camelô vende armas de fogo, tem cadáver apodrecendo no meio da rua, e ao mesmo tempo tem um cara dançando na esquina. Heu veria um filme inteiro nesse cenário!

Sobre a parte técnica, não há o que falar. Aster sabe o que fazer com a câmera, temos algumas boas sacadas, como por exemplo um close no olho onde vemos o que acontece através do reflexo.

No elenco, Joaquin Phoenix mais uma vez manda muito bem, não será surpresa se ganhar outra indicação ao Oscar. Não há destaques no resto do elenco, o filme é só do Joaquin Phoenix. Também no elenco, Patti LuPone, Amy Ryan, Nathan Lane, Kylie Rogers, Denis Ménochet, Parker Posey, Zoe Lister-Jones, Richard Kind e Stephen McKinley Henderson. Ah, temos os jovens Armen Nahapetian e Julia Antonelli, interpretando versões adolescentes do Joaquin Phoenix e da Parker Posey. Se o garoto Armen é parecido com Joaquin, achei a Julia IGUAL à Parker!

Com intermináveis quase 3 horas de duração (são 2 horas e 59 minutos!), acredito que Beau Tem Medo vai desagradar a maior parte do público. Vou torcer para Ari Aster voltar mais inspirado no seu próximo projeto, lembro que não gostei de O Farol, dirigido por Robert Eggers, mas gostei muito do filme seguinte do diretor, O Homem do Norte. Aguardemos.

Infinity Pool

Crítica – Infinity Pool

Sinopse (imdb): James e Em Foster estão desfrutando de umas férias na ilha fictícia de La Tolqa, quando um acidente fatal expõe a subcultura perversa do turismo hedonista, a violência imprudente e os horrores surreais do resort.

Já tinham me recomendado conhecer o trabalho do diretor Brandon Cronenberg, filho do David Cronenberg. Me falaram do filme Possessor, de 2020, mas outros filmes entraram na frente e acabei me esquecendo. Quando surgiu a oportunidade de ver Infinity Pool, não deixei pra depois!

O trabalho do Cronenberg filho traz semelhanças com o do pai – body horror, cenas graficamente fortes, com muita violência, nudez e sexo. Além disso, tem a parte “cabeça”, imagens viajantes que nem sempre têm explicação dentro da trama. Infinity Pool tem cenas fortes, tanto na parte da violência quanto na parte das perversões sexuais. Isso certamente vai afastar boa parte do público.

Falei aqui recentemente de Triângulo da Tristeza, que levanta questionamentos sobre convenções sociais. Infinity Pool traz alguma semelhança. Se em Triângulo da Tristeza vemos pessoas ricas que não aceitam seguir algumas regras, aqui em Infinity Pool a situação é um pouco mais grave: turistas ricos descobrem que podem cometer crimes e sair impunes. Explico: o país fictício onde a história se passa tem uma lei que diz que um estrangeiro pode pagar para criar um clone, e o clone será punido. Ou seja, o turista pode fazer o que quiser, porque quem vai enfrentar a justiça é o seu clone.

Claro que essa impunidade escala no comportamento dos personagens. E claro que isso gera inúmeras questões na cabeça do espectador.

Sobre o elenco, dois nomes precisam ser citados. Pena que as premiações têm preconceito contra o cinema fantástico. Depois de arrebentar em Pearl, aqui Mia Goth mostra mais uma vez que é uma das melhores atrizes em atividade. E depois de escolher alguns papéis ruins, parece que Alexander Skarsgård está se encontrando – ano passado ele mandou bem em O Homem do Norte, e aqui ele está ainda mais intenso. Também no elenco, Cleopatra Coleman, Jalil Lespert e Thomas Kretschmann.

Infinity Pool é um filme diferente, vai desagradar quem está atrás do terror montanha russa. Mas recomendo pra quem estiver atrás de um filme profundo e perturbador.

Floresta de Sangue

Crítica – Floresta de Sangue

Sinopse (Netflix): Um vigarista e uma equipe de filmagem entram na vida de duas jovens com profundas cicatrizes. Mas nada é o que parece ser.

Um amigo mandou uma mensagem com um link que dizia “Perturbador e brutal, filme da Netflix para quem tem coração forte prende o espectador do início ao fim”. Fui ver, era um filme do Sion Sono. Opa, furou a fila!

Mas… Preciso dizer que não gostei desse. Floresta de Sangue (Ai-naki mori de sakebe, no original) é maluco, como todos os filmes do diretor, mas diferente dos outros que vi, não é divertido (esse é o sexto filme do Sion Sono que tem crítica aqui no site). Sono usa muitos elementos fora da caixinha em seus filmes, como a tartaruga gigante de Love and Peace, ou as gangues cantando rap em Tokyo Tribe, ou mesmo o Nicolas Cage sem um testículo em Prisioners of the Ghostland, elementos malucos mas ao mesmo tempo divertidos. Floresta de Sangue também tem suas doideiras, mas tem um clima pesado e me deu uma bad trip. Principalmente quando acaba o filme e a gente vê que aquilo foi baseado numa história real!

Mas, Floresta de Sangue não é ruim. Vamulá.

Conheço o estilo do Sion Sono, sei que não devemos esperar nada convencional num de seus filmes. Aqui a gente tem colegiais japonesas lésbicas em um pacto suicida, um assassino serial misterioso, um violento charlatão que cria uma seita e ainda muita metalinguagem com uma equipe que quer filmar tudo, e isso tudo numa trama não linear, que ainda traz um momento musical e vários momentos de tortura física e psicológica, além de bastante gore. São mais de duas horas de filme, numa mistureba que vai afastar boa parte do público.

Tecnicamente falando, o filme é muito bem feito. Sono traz alguns detalhes bem legais. Gostei muito de uma cena onde ele usa o silêncio pra mostrar um delírio da Mitsuko.

O filme é um pouco longo demais, são duas horas e trinta e um minutos. E com tanta mistura de temas e estilos ao longo do filme, Floresta de Sangue se torna um filme cansativo. (Me parece que existe uma outra versão na Netflix, a mesma história como série com sete episódios, me pareceu uma versão estendida do filme. Mas não chequei este outro formato).

Sobre o elenco, acho complicado falar, porque as atuações no cinema oriental são muito intensas, tudo muito gritado, muito exagerado, comentei isso outro dia quando falei de Bala na Cabeça. Não curto o estilo, mas sei que é algo comum, então não vou criticar. No elenco, Kippei Shîna, Kyoko Hinami, Eri Kamataki e Shinnosuke Mitsushima – nenhum nome conhecido aqui no Brasil.

Como falei, Floresta de Sangue não é ruim. Mas saber que isso foi inspirado em uma história que realmente aconteceu não me fez bem. Fiquei imaginando a seita da vida real…

Tudo Em Todo Lugar Ao Mesmo Tempo

Crítica – Tudo em todo lugar ao mesmo tempo

Sinopse (imdb): Uma idosa imigrante chinesa se envolve em uma aventura louca, onde só ela pode salvar o mundo explorando outros universos que se conectam com as vidas que ela poderia ter levado.

Este ano tivemos um bom filme com o subtítulo “Multiverso da Loucura”. Quem diria que pouco mais de um mês depois teríamos outro bom filme usando multiversos, e ainda mais louco que o primeiro filme?

Escrito e dirigido pela dupla “Daniels” (Dan Kwan e Daniel Scheinert), Tudo em todo lugar ao mesmo tempo (Everything Everywhere All at Once no original) usa o conceito de multiverso de maneira insana. Algumas sequências têm poucos segundos e conseguem mostrar diversos cenários e figurinos misturados. Parece aquela sequência do gerador de imprevisibilidade de O Guia do Mochileiro das Galáxias, mas que dura muito mais tempo. É tudo muito intenso, pisque o olho e perdeu partes da viagem.

Tudo em todo lugar ao mesmo tempo tem várias sequências geniais. Para ativar a viagem entre os multiversos, a pessoa precisa fazer algo inesperado. Se a primeira coisa inesperada é comer um batom, essa “inesperabilidade” vai escalando até coisas completamente malucas conforme o filme avança. E como tudo é possível, vemos por exemplo uma batalha entre a vilã e alguns guardas onde cada guarda é derrotado de maneira mais criativa possível.

Não sei se podemos chamar Tudo em todo lugar ao mesmo tempo de comédia, mas tem cenas engraçadíssimas. Tem uma luta na parte final onde a protagonista enfrenta um adversário sem calças, e com algo enfiado naquela parte famosa da anatomia da Anitta. Tem uma divertidíssima citação ao Ratatouille. E o universo com as pessoas com salsichas no lugar dos dedos das mãos é hilário!

Acho que o que mais chama a atenção é a edição. Fiquei imaginando, deve ter dado um trabalho hercúleo organizar todas aquelas imagens misturadas de forma que ainda fizessem algum sentido. E ainda tem inúmeras mudanças de formato de tela (aspect ratio), o que confunde ainda mais.

Mas, também preciso falar da protagonista Michelle Yeoh. Já falei dela outras vezes, mas aqui acho que foi sua melhor atuação. Ela consegue transparecer todos os conflitos de todas as versões de sua personagem – e ainda mostra nas cenas de luta a habilidade que a gente já conhece desde O Tigre e o Dragão – sem uma atriz que luta artes marciais o filme não seria o mesmo. Não será surpresa vê-la concorrendo ao Oscar ano que vem.

Ainda no elenco, preciso falar de dois nomes. Primeiro, a agradável surpresa que foi rever Ke Huy Quan, que foi o Short Round em Indiana Jones e o Templo da Perdição e o Data em Goonies, e não lembro de nenhum outro filme dele desde 1985 (vi no imdb, ele fez pouca coisa de lá pra cá, e nada relevante). Além dele, vemos Jamie Lee Curtis num papel diferente de tudo o que ela já fez. Também no elenco, Stephanie Hsu e James Hong.

Os efeitos especiais são simples e eficientes. Tem um efeito recorrente onde a protagonista parece ser puxada em alta velocidade, que não requer malabarismos em cgi e tem um efeito excelente na tela.

Tudo em todo lugar ao mesmo tempo é longo, duas horas e dezenove minutos, e não mantém o pique até o final. Achei a segunda metade bem inferior à primeira. Ok, talvez o filme ficasse louco demais se fosse o tempo todo no mesmo ritmo insano, mas sei lá podiam ter reduzido a segunda metade.

Mas mesmo com o final longo demais, Tudo em todo lugar ao mesmo tempo é um filme altamente recomendado. Afinal, não é todo dia que vemos algo realmente diferente no cinema.

Fresh

Crtítica – Fresh

Sinopse (imdb): Os horrores dos encontros modernos, vistos através da batalha desafiante de uma jovem mulher para sobreviver aos apetites do seu novo namorado.

Apareceu um tempo atrás no Star+ um filme meio terror, meio cult, que acho que foi muito mal lançado por aqui. O filme fala sobre consumo de carne humana – espero que isso não seja spoiler!

Fresh é o longa de estreia da diretora Mimi Cave. Achei curioso porque o último filme que vi sobre canibalismo também tinha sido filme de estreia de outra diretora mulher, Raw, da Julia Ducournau.

Fresh começa como uma comédia romântica. Mas, aos 33 minutos de projeção, entram os créditos “iniciais” e temos uma radical mudança de rumo da trama.

Apesar do tema canibalismo, Fresh não tem muito gore. Mesmo assim, algumas cenas são bastante desconfortáveis – não é qualquer filme que tem uma pessoa abrindo a geladeira e tirando um pedaço de carne – com uma tatuagem.

Os dois atores principais estão muito bem. Sebastian Stan e Daisy Edgar-Jones são bons atores, têm boa química juntos e a dinâmica entre os personagens funciona muito bem. Pena que não podemos dizer o mesmo sobre o resto do elenco. Senti uma falha no desenvolvimento dos personagens secundários. Um exemplo claro é a esposa do Steve. O filme dá indícios de que ela é uma vítima, mas também a coloca como vilã. Outro caso é o amigo da Mollie, um personagem meio inútil na trama.

Fresh não é um filmaço, mesmo assim curti. Deveria ter uma distribuição melhor.

Licorice Pizza

Crítica – Licorice Pizza

Sinopse (imdb): Licorice Pizza é a história de Alana Kane e Gary Valentine crescendo, correndo e se apaixonando em San Fernando Valley, na Califórnia, em 1973.

Finalmente chegou ao circuito o badalado novo filme de Paul Thomas Anderson. O filme teve lançamento limitado no fim do ano passado, e já aparecia em algumas listas de melhores de 2021. Claro que gerou curiosidade.

Licorice Pizza (idem, no original) é bom, mas… Teve uma coisa que me tirou do filme. O protagonista Gary tem 15 anos de idade, mas se porta como um adulto experiente. Ok, a gente já sabe logo desde o início do filme que ele é um ator, então por isso seria mais esperto que a maioria dos garotos da sua idade. Mas achei exagero: o garoto primeiro é um grande empresário no ramo de colchões de água, e depois abre uma grande e badalada loja de fliperama – e ainda trabalha como câmera nas horas vagas. Mais: ele nunca tem adultos por perto, só garotos da idade dele ou ainda mais novos. Ele é tão descolado que frequenta o mesmo restaurante que poderosos produtores de Hollywood. Além disso, é um um homem maduro em relacionamentos. E ainda tem costeletas!

Lembrei de Quase Famosos, cujo protagonista William Miller é um adolescente que se mete em assuntos de adultos – ele se passa por um repórter da Rolling Stone e acaba acompanhando uma banda na estrada. Mas o garoto William é introvertido e inseguro, e tem problemas com a mãe e com a escola. Muito mais fácil de “comprar”.

Provavelmente num futuro próximo vou rever Licorice Pizza e vou curtir mais. Porque é um filmão. Paul Thomas Anderson filma em película, e parece realmente que estamos vendo um filme feito nos anos 70. A reconstituição de época é perfeita, e a boa trilha sonora ajuda. Ainda temos uma boa edição e a câmera sempre bem posicionada – rolam alguns plano sequências, curtos, nada de extraordinário, mas sempre bem bolados. Tecnicamente falando, o filme é impecável.

Já o roteiro… Bem, tem que entender que Paul Thomas Anderson nem sempre usa a “formula Syd Field”. Aqui em Licorice Pizza o roteiro é meio solto, as coisas simplesmente vão acontecendo, não existe uma linha que liga tudo. Tem gente que curte filme assim, mas tem gente que não curte.

O casal protagonista é estreante. Cooper Hoffman é filho do Philip Seymour Hoffman – que fez cinco filmes com Paul Thomas Anderson. O garoto tem futuro, mas aqui não me convenceu – ele não tem cara de 15 anos! Já Alana Haim está ótima, aguardo ansiosamente pelo seu próximo filme. A química entre os dois é boa, rola uma paixão platônica e ela freia essa paixão por causa da diferença de idade.

(Eduardo e Mônica também tem protagonistas com a mesma diferença de idade, e o casal funciona melhor – e o Eduardo ainda está preocupado com o vestibular!)

Uma curiosidade: Alana Haim é de uma família de músicos, e suas irmãs e seus pais no filme também o são na vida real.

Ainda no elenco, três participações especiais que vão dividir opiniões. Bradley Cooper interpreta o cabeleireiro e maquiador John Peters, que era namorado da Barbara Streisand na época. Não conhecia Peters, não sei se ele era assim, mas Cooper está exagerado demais, me pareceu um degrau acima do que deveria estar. E Sean Penn e Tom Waits estão em uma cena que pode até ser divertida, mas é meio desnecessária para o resto do filme.

Por fim, o nome. “Licorice Pizza” é uma gíria pra disco de vinil – não só as iniciais “LP”, como também um vinil preto poderia ser uma “pizza de alcaçuz”. Inclusive existia uma rede de lojas de discos chamada Licorice Pizza. Mas… No filme não tem nem pizza, nem alcaçuz, nem discos de vinil. Por que o nome? Sei lá…

Caveat

Crítica – Caveat

Sinopse (imdb): Um vagabundo solitário que sofre de perda parcial da memória aceita um emprego cuidando de uma mulher com problemas psicológicos em uma casa abandonada em uma ilha isolada.

Vejo muitos filmes estranhos e desconhecidos. E de vez em quando aparece um que é um pouco mais fora da curva. É o caso deste Caveat, escrito e dirigido pelo estreante Damian Mc Carthy.

Pela história a gente já sabe que é um filme maluco. Um cara precisa ir para uma casa isolada para cuidar de uma jovem, mas ele precisa ficar preso numa corrente para não ter acesso ao quarto dela. A casa está toda caindo aos pedaços, e ainda tem um coelhinho sinistro de brinquedo!

Vou destacar um ponto positivo e um negativo. De positivo, gostei da ambientação. A casa é um bom cenário, e gostei da ideia do cara preso naquela roupa de couro que fica presa na corrente. São só três atores, que funcionam bem (Ben Caplan, Jonathan French e Leila Sykes).

Agora, não gostei da parte final. Não acho que um filme precisa explicar tudo, aceito quando deixa lacunas para o espectador completar conforme a sua interpretação. Exemplo: não tenho ideia do que era o coelhinho, mas gostei dele. Mas aqui, a parte final é tão sem sentido que me tirou do filme. Acho que o roteiro falhou nessa parte.

Mas Caveat não é de todo mau. Aguardemos o segundo filme de Damian Mc Carthy.