Turma da Mônica: Lições

Crítica – Turma da Mônica: Lições

Sinopse (filmeB): Mônica, Cebolinha, Magali e Cascão fogem da escola. Agora, terão que encarar as suas consequências, e elas não serão poucas. Nesta nova jornada, a turma descobrirá o real valor e sentido da palavra amizade.

Não vi a sessão de imprensa de Turma da Mônica Lições, fui em uma sessão normal, com meus filhos. E, preciso dizer, que filme gostoso! Que filme agradável! Acabou o filme, estava feliz, já com vontade de rever!

Normalmente consigo separar o lado crítico do lado espectador de cinema – só não consigo quando é Guerra nas Estrelas, porque aí admito que o lado fanboy fala mais alto. Vejo filmes de super heróis sem envolver o lado fã. Mas, desta vez, a cada easter egg que aparecia na tela, era mais um momento de felicidade.

Temos vários personagens novos, que não estavam no primeiro filme. Mas não vou entrar em detalhes sobre quem aparece além dos quatro principais, porque pra mim cada um deles que aparecia era uma agradável surpresa – principalmente porque as aparições são incluídas de maneira orgânica na história, tipo, o Cebolinha tem problemas de fala e vai a uma fonoaudióloga, e na recepção ele conhece um menino loiro que não fala, só fala “hum” “hum”. Droga, falei um dos personagens novos…

Já que falei um personagem, preciso falar de outro. O Do Contra é um alívio cômico perfeito! São várias sacadas geniais e engraçadíssimas! E adorei ver a Tina e o Rolo!

(Tem outros personagens que aparecem em objetos de cena ou desenhados, como um Piteco no quadro negro ou um chaveiro do Bugu. Prestem atenção nos detalhes!)

Várias gerações leram os gibis da Turma da Mônica. Lembro da minha infância, heu lia direto Disney e Turma da Mônica. Fui ficando mais velho e fui refinando a minha leitura, lembro que no início lia qualquer coisa da Disney, depois passei a curtir só as historinhas brasileiras (lembro do Biquinho, sobrinho do Peninha um personagem excelente, que se não me engano era brasileiro); e também curtia umas histórias do Pato Donald e Tio Patinhas, sempre em aventuras épicas, que anos mais tarde descobri que eram as histórias escritas por Carl Barks (e anos depois consegui colecionar os volumes da Obra Completa de Carl Barks). E comecei a falar de Turma da Mônica e me perdi e tô falando de Disney, mas é que dei essa volta toda pra falar que com o tempo me cansei um pouco das histórias, principalmente da Magali sempre comendo, do Cascão sempre fugindo do banho e da Mônica sempre muito forte – Cebolinha tinha muitas histórias de planos infalíveis, mas era menos monotemático. Nessa época passei a curtir mais o Chico Bento, que não tinha um clichê tão marcante.

Isso tudo foi pra dizer que esses clichês são abordados no filme, e são muito bem trabalhados. Se nos quadrinhos essas características cansavam por causa da repetição, aqui no filme não tinha tempo pra repetição, viraram problemas próximos dos vividos por crianças reais.

A direção é mais uma vez de Daniel Rezende, que também dirigiu o primeiro filme. Não tenho muita coisa pra falar da parte técnica, a não ser que tudo funciona redondinho. Logo no início a gente vê o cuidado da produção, tem uma cena que alterna trechos da peça Romeu e Julieta com os ensaios. Iluminação, cenários e figurinos diferentes se alternando num efeito simples e eficiente.

Quem me conhece sabe que curto plano sequência. Tem um, rapidinho, mas bem sacado, a Magali está numa aula de culinária, com outras crianças, a câmera sai com as outras crianças e quando volta ela comeu tudo. Outro detalhe simples e eficiente.

Ah, falei de Romeu e Julieta, a peça shakespeariana é parte essencial na trama!

O elenco é ótimo. Giulia Benite, Kevin Vechiatto, Laura Rauseo e Gabriel Moreira voltam aos seus papeis, e os quatro são ótimos e muito carismáticos, a gente acaba o filme com vontade de estar mais perto dessa turminha, quero muito ver o terceiro filme da série. Malu Mader aparece em um papel pequeno. E Isabelle Drummond, que foi a Emília em uma das versões do Sítio do Pica Pau Amarelo, interpreta a Tina – nada mal, dois papéis importantes em duas obras essenciais da literatura infanto juvenil brasileira. Ah, sim, tem uma participação do Maurício de Souza!

O filme traz uma mensagem que é possível crescer sem deixar de ser criança, e isso é a minha cara. Fiz 50 anos ano passado, mas ainda não sei quando serei adulto. Me considero um bom pai, me considero responsável com meus compromissos profissionais, mas isso não me impede de continuar pensando como criança. Velhos são os outros!

O roteiro tem umas partes meio forçadas, principalmente perto da conclusão, mas, assim como aconteceu com o último Homem Aranha, Turma da Mônica Lições é um filme tão empolgante que a gente deixa isso tudo pra lá.

Foi o primeiro filme que vi no cinema em 2022, mas já arrisco dizer que estará no meu top 10 daqui a 12 meses!

Tem uma cena pós créditos – na verdade, bem no início dos créditos, que traz um gancho para o terceiro filme, e que vai explodir a cabeça de muita gente. Mas não vou falar mais nada!

Bob Cuspe – Nós Não Gostamos de Gente

Crítica – Bob Cuspe – Nós Não Gostamos de Gente

Sinopse (filmeB): Bob Cuspe é um velho punk tentando escapar de um deserto apocalíptico que é na verdade um purgatório dentro da mente do seu criador, Angeli, um cartunista passando por uma crise criativa.

Não lembro exatamente em que ano, mas, na minha adolescência, segunda metade dos anos 80, lia várias HQs nacionais de humor adulto: Circo, Chiclete com Banana, Piratas do Tietê, Striptiras, Níquel Náusea, Geraldão, etc. Conheci o trabalho de vários quadrinistas, como Glauco, Luiz Gê, Fernando Gonzalez, Laerte e Angeli. Na minha humilde opinião, estes dois últimos eram os que tinham a obra mais rica. Heu sempre preferi mais o Laerte (tenho várias revistas e livros, incluindo aí todas as 14 revistas dos Piratas do Tietê, compradas nas bancas na época que foram lançadas; e uma coletânea de três volumes em capa dura lançada nos anos 2000), mas é inegável que o Angeli tinha uma riquíssima galeria de personagens icônicos, como a Rê Bordosa, a Mara Tara, os Skrotinhos, Wood & Stock, Osgarmo, Walter Ego… e o Bob Cuspe.

(Ainda preciso citar a genial revista Los Três Amigos, inspirada no filme com Steve Martin, Chevy Chase e Martin Short. A revista trazia três personagens, desenhados por Angeli, Laerte e Glauco, cada um usando o seu estilo próprio.)

Não sei se foi coincidência ou se planejaram, mas há pouco tivemos Cidade dos Piratas, mistura de documentário e ficção mostrando como o Laerte de hoje em dia lida com sua obra. E agora a gente tem Bob Cuspe – Nós Não Gostamos de Gente, que tem um formato bem parecido, é uma mistura de documentário com ficção mostrando como o Angeli de hoje em dia lida com sua obra. E, apesar de gostar mais de Laerte e Piratas do Tietê, reconheço que o resultado aqui ficou melhor.

Dirigido por Cesar Cabral, Bob Cuspe é um longa de animação em stop motion, o que por si só já é uma coisa muito legal (outras animações por computador são mais fáceis de fazer, são poucos os que ainda insistem no stop motion) – só pra dar um exemplo, a equipe deste longa gastava um mês pra fazer 5 minutos de filme. Bob Cuspe alterna entre a parte documentário, onde o próprio Angeli (como bonequinho) é entrevistado; e um mundo pós apocalíptico, que seria a mente do desenhista em crise criativa.

A qualidade da animação é excelente. O visual dos bonequinhos me lembrou Anomalisa, mas só o visual, o filme não tem nada a ver. Os bonequinhos são muito bem articulados, e o visual pós apocalíptico é bem legal. E, na parte onde mostra o Angeli, aparentemente filmaram e animaram em cima dos movimentos reais, realmente parecem movimentos humanos. E, pra aumentar a sensação de realidade, o “documentário” tem até ajustes de enquadramento e foco.

Rolam participações especiais de alguns outros personagens do Angeli, como Rê Bordosa, Ralah Rikota e os Skrotinhos – a cena com os Skrotinhos é de rolar de rir. Os inimigos do mundo do Bob Cuspe são pequenas versões do Elton John – não me lembro de ter lido isso nas HQs…

No elenco, Milhem Cortaz faz a voz do Bob Cuspe, enquanto Paulo Miklos faz a voz dos dois personagens que interagem com ele – acho que ambos se chamam Kowalski – boas escolhas. Angeli interpreta ele mesmo, assim como Laerte, que tem uma participação pequena. Também no elenco, Grace Gianoukas, André Abujamra, Beto Hora e Hugo Possolo.

Gostei da trilha sonora, tanto a trilha composta por André Abujamra e Márcio Nigro quanto as músicas inseridas, dos Titãs, Inocentes e Mercenárias.

Por fim, preciso dizer que não gostei do fim. Parece que não tinham um bom fim, e alguém deve ter lembrado “galera, um mês pra fazer 5 minutos, bora fechar de qualquer maneira pra lançar logo!”. Não estragou a experiência, mas foi um final bem fuén.

Dom

Crítica – Dom

E vamos para mais uma série nacional: Dom!

Sinopse (prime video): Um pai que vive para combater as drogas. Um filho que vive se entregando a elas. Dois lados da mesma moeda. Victor é um policial que lutou contra o tráfico de cocaína durante toda sua vida. Seu filho é um dependente químico que se tornou um dos mais procurados assaltantes do Rio de Janeiro, o Pedro Dom. Será o amor de um pai suficiente para salvar a vida do filho?

Inspirado numa história real, Dom tem duas linhas temporais. Em 1970, um jovem mergulhador acaba virando um agente infiltrado no morro Santa Marta, para acompanhar a chegada da cocaína no Rio de Janeiro. E em 1999, o mesmo personagem, adulto, convive com um filho viciado em cocaína.

Dom foi baseado em uma história real. Existiu um Pedro Dom, líder de uma quadrilha que roubava apartamentos de luxo, que era viciado em cocaína e morava na Zona Sul. Como não me lembro de detalhes sobre o caso, não sei quanto do que está na série realmente aconteceu e o quanto é ficção. Enfim, aqui vou falar só sobre a série.

A série é baseada em dois livros, “Dom”, de Tony Belotto; e “O Beijo da Bruxa”, de Luiz Victor Lomba. A produção ficou com a cargo da Conspiração, e a direção é de Breno Silveira (Dois Filhos de Francisco, Gonzaga de Pai pra Filho, Entre Irmãs).

Primeira série produzida pela Amazon aqui no Brasil, Dom chama a atenção pela qualidade técnica, que não deixa nada a dever pra produções gringas. Por mais que 1999 seja “ontem”, não deixa de ser uma produção de época. Aliás, falando neste aspecto, a parte contada em 1970 não tem só roupas e penteados coerentes com a época – a gente vê calçadas com orelhões e dezenas de carros de época espalhados.

Mas não é só a reconstituição de época. Com muitos takes externos, em várias paisagens cariocas, a fotografia de Dom em nada lembra produções televisivas. Dom tem cara de cinema.

Li uma crítica que tem uma certa lógica. A história que se passa em 1970 não tem nenhuma conexão com a de 1999. Ou seja, para uma série chamada “Dom”, metade da história não tem nenhuma relação com o personagem título. Verdade. Mas isso não me incomodou, porque a história de 1970 com o Victor jovem é muito boa e muito bem contada. Mas entendo quem reclame deste detalhe.

As atuações são ótimas. Não conhecia o protagonista Gabriel Leone, li em algum lugar que ele estava irreconhecível (ele tem carreira na TV, mas confesso que nunca tinha visto nada dele) – e realmente ele está bem diferente das fotos de divulgação por aí. Aliás, preciso admitir que não conhecia quase ninguém do elenco, mas afirmo que todos estão bem. Flavio Tolezani e Filipe Bragança interpretam Victor nas duas linhas temporais. Também no elenco, Raquel Villar, Isabella Santoni, Digão Ribeiro e Ramon Francisco. E pra não dizer que não conhecia ninguém do elenco, tem dois nomes, que estavam em Cidade Invisível: Julia Konrad e Fábio Lago. Aliás, preciso dizer que, assim como em Cidade Invisível, Fábio Lago também está muito bem aqui.

Preciso falar que não gostei do fim. O último capítulo não tem muita coisa pra contar, a história meio que se arrasta, podia ter sido só com sete capítulos. E a cena final, logo a última, não gostei, porque mostra um personagem diferente daquele que a gente viu durante toda a série. É complicado falar sem spoilers, mas as atitudes do personagem naquela cena final não combinam com o que foi apresentado até lá. Fui pesquisar, aquilo realmente aconteceu com o Pedro Dom da vida real, provavelmente filmaram a cena por isso. Mas, na série, ficou over. A não ser que isso seja um gancho para uma segunda temporada, que desenvolveria o personagem e mostraria como ele chegou naquele ponto. Mas, do jeito que foi mostrado, não gostei. Não chega a estragar a série, mas por mim o final seria sem aquela cena.

Dom tem 8 capítulos de aproximadamente uma hora cada, e está disponível na Amazon Prime Video.

Marighella

Crítica – Marighella

(Pensei muito se valia a pena fazer um vídeo sobre esse filme. É que é difícil falar de Marighella sem falar de política, e não gosto de dar palpites sobre política. Acredito que quem vê meus vídeos, quem ouve meus podcasts e quem lê os meus textos está mais interessado no que tenho a dizer sobre cinema, tema que domino melhor. Mas, primeiro filme do Wagner Moura como diretor, gosto do Wagner Moura, bora falar do filme dele.)

Sinopse (filmeB): 1969. Marighella não teve tempo pra ter medo. De um lado, uma violenta ditadura militar. Do outro, uma esquerda intimidada. Cercado por guerrilheiros 30 anos mais novos e dispostos a reagir, o líder revolucionário escolheu a ação. Cinebiografia sobre Carlos Marighella, político, escritor e guerrilheiro contra a ditadura militar brasileira.

(Antes de entrar no filme, só um breve comentário sobre política: IMHO, não devemos ver política com paixão, e sim com razão. Não consigo entender quem torce por um político. O político deveria servir à população, e ser criticado sempre que fizer algo errado, independente da gente se alinhar com os ideais dele ou não.
E o tema “Marighella” chama a discussão política. Carlos Marighella tem seu valor por ter lutado contra a ditadura. Respeito muito as forças armadas, mas precisamos reconhecer que o período de intervenção militar foi um dos piores momentos da história do país. Censura, perda de liberdades individuais, prisões sem motivo, torturas, assassinatos. Quem pede a volta do regime militar não sabe o tamanho da bobagem que está pedindo. Nasci em 71, não vivi nenhum problema relacionado a isso, mas na minha adolescência existia um medo pairando no ar – será que os militares vão voltar?
Mas por outro lado, Marighella promovia violência, e heu nunca posso concordar com isso. Segundo a sua lógica, cometer crimes se justificava porque seria contra um mal maior. Sei não, não acho correto você tentar consertar uma coisa errada errando igual. Então, imho, por mais que ele tenha tido importância histórica, não acho certo colocá-lo num patamar de herói.)

Enfim, chega de papo sobre política, e vamos ao que interessa!

Sou fã do Wagner Moura, gosto do trabalho dele em Tropa de Elite, Homem do Futuro, Elysium, VIPs. Marighella é o seu primeiro filme como diretor. Algumas coisas funcionam, outras não.

Marighella começa muito bem, com um plano sequência bem legal mostrando um assalto a trem. Wagner Moura usa câmera na mão em várias partes do filme, o que funciona pra dar um ar mais documental, e algumas cenas são muito bem filmadas.

Agora, são pouco mais de duas horas e meia, e mesmo assim, tem coisa que não ficou bem. Vou dar dois exemplos. Um deles é a personagem da Adriana Esteves, que só vale porque é a Adriana Esteves. Tira esse personagem, o filme não perde nada. “Ah, mas ela está lá para mostrar um lado mais humano do Marighella”. Olha, o filho dele funciona melhor pra essa função. Inclusive a cena onde pai e filho tentam se encontrar é muito boa.

Outro exemplo é que, pelo filme parece que o Marighella só andava com uns 4 ou 5 companheiros. Ué, ele não foi um grande líder? Faltou algo no filme pra mostrar que ele tinha um alcance maior. Recentemente tivemos Judas e o Messias Negro, onde os líderes dos movimentos apareciam liderando muito mais gente.

Um aviso aos mais sensíveis: claro que tem cena de tortura, o que era algo previsível. A cena é forte, mas, heu esperava que ia ter ainda mais, achei que o filme focaria mais nesse triste aspecto da ditadura. É, até que foi bom não mostrar muito.

(Ah, fiquei com vontade de rever O Que É Isso Companheiro…)

Sobre o elenco, ouvi críticas relativas ao Seu Jorge, porque, pelas fotos que vemos na internet, Marighella não era negro. Mas isso não me incomodou, acho bobagem, hoje, em 2021, alguém se preocupar com etnias dos personagens. Na verdade o que me incomodou foi que, em algumas cenas, Seu Jorge aparece artificial demais. Parece que ele está lendo um texto, perdeu a naturalidade.

Outro nome me trouxe sentimentos dúbios. Bruno Gagliasso está bem na maior parte do filme, mas em algumas cenas ele parece um vilão caricato dos anos 80. Tem uma cena onde ele urina num cartaz com a cara do Marighella, e dá uma risada de vilão que causou vergonha alheia.

No fim, apesar de não ser um grande filme, acho que vale a pena. E quero mais filmes nacionais mostrando esse período!

Marighella ainda não foi lançado oficialmente no Brasil. Pra ver, só de maneira alternativa. Existe uma queda de braço entre o governo e a produção do filme. Não sei como está a briga agora, mas uns meses atrás soube que faltavam algumas burocracias pra Ancine liberar o filme (tem vários casos de filmes que demoram anos para serem lançados – Chatô demorou 20 anos pra chegar no circuito!). E é claro que o presidente quer atrapalhar o lançamento, então a gente não sabe o quanto dessa burocracia é algo que faz parte do sistema e o quanto é por ser um filme sobre o Marighella.

Cidade Invisível

Crítica – Cidade Invisível

Oba! Folclore nacional!

Sinopse da Netflix: Após uma tragédia familiar, um homem descobre criaturas folclóricas vivendo entre os humanos e logo se dá conta de que elas são a resposta para o seu passado misterioso.

Sempre fui fã do folclore nacional. E sempre defendi que isso geraria boas histórias fantásticas pro cinema. Pra provar que falo isso há tempos, vou deixar aqui o link de um curta de metragem de terror que fiz com o Boitatá. O curta não é muito bom não, fiz coisa melhor depois, mas, vale o registro!

(Ainda dentro do tema, recomendo o filme Fábulas Negras, organizado pelo Rodrigo Aragão. São 5 curtas, dirigidos pelo próprio Aragão, além de Zé do Caixão, Joel Caetano e Peter Baiestorf, e mostrando Monstro do Esgoto, Loira do Banheiro, Iara, Saci e Lobisomem. Dá pra fazer uma sessão com o meu curta e depois esse filme! 🙂 )

Vamos à série. Produção Netflix, Cidade Invisível é uma criação do Carlos Saldanha. Pra quem não ligou o nome à pessoa, Carlos Saldanha é um dos brasileiros mais bem sucedidos em Hollywood. Ele dirigiu os três primeiros A Era do Gelo, Touro Ferdinando e os dois Rio – todos, longas de animação da Blue Sky. Ele foi indicado duas vezes ao Oscar, por Touro Ferdinando e por um curta do esquilinho Scratch. E agora ele estampa o nome na abertura de Cidade Invisível – não sei o quanto ele esteve envolvido na produção. São sete episódios, dirigidos por Luis Carone e Julia Jordão. A série é baseada na história desenvolvida pelos roteiristas e autores de best-sellers Raphael Draccon e Carolina Munhóz.

E, olha, como é legal ver uma produção bem feita, usando as nossas lendas!
Várias gerações de brasileiros cresceram lendo livros e vendo adaptações na TV do Sítio do Pica Pau Amarelo. Ok, sei que existe uma polêmica hoje em dia envolvendo o Monteiro Lobato, mas não quero falar do homem, e sim da sua obra. Se hoje a gente fala sobre Saci, Cuca, Boitatá, Caipora e afins, muito se deve ao Monteiro Lobato e aos livros do Sítio. E heu sempre achei que essas lendas poderiam gerar histórias fantásticas pra adultos (tanto que fiz o curta do Boitatá e tinha um projeto pra fazer da Iara). E fiquei muito satisfeito com o resultado de Cidade Invisível. O clima é sério, é uma série de investigação policial, e os efeitos especiais são discretos e funcionam bem (um problema que Fábulas Negras teve foi a caracterização do Saci, ficou tão tosco que provocava risadas em vez de dar medo).

A trama foi adaptada pra se passar nos dias de hoje, em uma cidade grande – no caso, o Rio de Janeiro. Decisão arriscada, mas gostei – o mais fácil seria se passar no interior, em um tempo indeterminado, sempre que alguém fala em Saci ou Iara a gente logo pensa em fazendas e florestas. Colocar essas entidades na Lapa foi uma ótima sacada! Quem frequenta a Lapa sabe que, se tem gente estranha e diferente no Rio, é lá que eles vão se encontrar!

(Causos curiosos: lembro de ter encontrado o Jimmy London, o Tutu, em um show do Canastra, na Lapa. Me senti em casa vendo a série.)

Ouvi críticas com relação a isso, que Cidade Invisível deveria se passar no interior, que o boto é uma lenda da região Norte e não deveria ser encontrado em uma praia no Rio, etc. Ok, entendo as críticas, realmente folclore tem mais cara de interior rústico do que cidade grande cosmopolita. Mas, por outro lado, acho que os realizadores quiseram aproveitar o potencial turístico pra fazer um produto mais fácil de vender. Vamulá, a gente sabe que o Rio é uma das coisas mais famosas do Brasil. Deve ficar mais fácil vender um produto brasileiro se tiver paisagens conhecidas mundialmente, não? E, disse antes, repito: achei a adaptação muito boa.

(Heu mesmo, nos meus curtas, já usei paisagens turísticas. Pô, se moro aqui, por que não usar os cenários que estão disponíveis na minha cidade?)

Agora, gostei da adaptação, mas também tenho um mimimi, cabe aqui? Achei que a Iara tinha que ser uma índia! Adorei a personagem adorei a atriz, mas, pra mim, Iara tinha que ser índia. E queria ver a Cuca em versão “jacaré”!

Aproveitando que falei da Iara, preciso dizer: que cena maravilhosa aquela onde a gente descobre quem ela é, e como ela hipnotiza com seu canto e leva para a água! A cena ficou fantástica!

Aliás, não só a Iara. Uma coisa legal de Cidade Invisível é esse jogo de tentar entender quem é cada entidade. Não sei se gostei de ver a origem de cada uma (prefiro uma entidade que sempre foi aquilo, em vez de uma pessoa que virou entidade), mas isso não chega a atrapalhar.

Já que falei das entidades, vou me aprofundar um pouco. Queria ter visto a Cuca “jacaré”, mas, mesmo assim, achei que todas estão muito bem representadas na tela. Adorei o Curupira! Quero ver um spin-off com esse Curupira! E o Saci ter uma perna mecânica foi uma sacada de gênio!

Vamos aproveitar pra falar do elenco. Acho que heu só conhecia a Alessandra Negrini (e o Jimmy London como músico, nem sabia que ele atuava). Não conhecia o resto, gostei de todos, mas não vou entrar em detalhes aqui, porque não quero falar quem faz cada entidade. Mas, se fosse escolher um pra ganhar o prêmio de melhor atuação, com certeza seria o que faz o Curupira. Vamos aos nomes, sem especificar quem é quem: Marco Pigossi, Alessandra Negrini, Áurea Maranhão, Fábio Lago, Jéssica Córes, Wesley Guimarães, José Dumont, Jimmy London e Victor Sparapane.

A história fecha no fim do último episódio, mas deixa um gancho para continuar. Que venha a segunda temporada!

O Cemitério das Almas Perdidas

Crítica – O Cemitério das Almas Perdidas

Sinopse (Cinefantasy): Corrompido pelo poder do livro negro de Cipriano, um jesuíta e seus seguidores iniciam um reinado de terror no Brasil colonial, até serem amaldiçoados a viver eternamente presos sob os túmulos de um cemitério.

Bora de filme novo do Rodrigo Aragão?

Quem me acompanha aqui no heuvi sabe que sou fã do Rodrigo Aragão, e consegui ver todos os seus filmes nos cinemas, em festivais (Mangue Negro numa mostra de terror nacional no CCBB; A Noite do Chupacabras no RioFan; Mar Negro no Festival do Rio; Fábulas Negras no Grotesc-O-Vision; e Mata Negra no Rio Fantastik). Mas, 2020, pandemia, agora os festivais são diferentes. O Cemitério das Almas Perdidas estava na programação do Cinefantasy. Por um lado, notícia ruim, não vi num cinema. Por outro lado, notícia boa: assinei um serviço de streaming que tinha o Cinefantasy na grade. Consegui ver o filme, mesmo não morando na mesma cidade onde o festival foi sediado!

Vamos ao filme. O Cemitério das Almas Perdidas é o projeto mais ambicioso da carreira de Aragão – e seu maior orçamento até hoje. O filme corre em duas linhas temporais diferentes, e uma delas traz padres jesuítas lutando contra índios no Brasil colonial – e tudo flui muito bem. Se os filmes citados anteriormente têm um pé fortemente fincado no trash, isso não acontece aqui. O Cemitério das Almas Perdidas é um filme sério e tenso.

Não me lembro de nenhum filme fantástico nacional com essa qualidade. A maquiagem sempre foi um dos destaques nos filmes do Rodrigo Aragão, mas aqui, além da maquiagem, também temos destaques nos cenários e figurinos. A direção de arte e a fotografia são excelentes. Se O Cemitério das Almas Perdidas fosse um filme europeu, ou se fosse uma produção da A24 (Hereditário, A Bruxa), seria um filme cultuado e premiado mundo afora.

A ideia era lançar o filme no circuito no segundo semestre deste ano. Mas, com a pandemia, não existem mais lançamentos no cinema. Pena. Que O Cemitério das Almas Perdidas ganhe uma oportunidade nas telas grandes no futuro próximo. O cinema nacional de terror agradeceria!

A Divisão

Crítica – A Divisão

Sinopse (google): O Rio de Janeiro se encontra acuado por uma onda de sequestros na década de 1990. As forças de segurança convocam agentes corruptos e um delegado com fama de genocida para salvar a cidade dos bandidos e até da polícia.

Já falei mais de uma vez aqui no heuvi, e vou repetir sempre que necessário: gosto de filmes nacionais de gênero, mesmo que não sejam grandes filmes.

Assim como Carcereiros, A Divisão é a versão cinematográfica de uma série de TV. Não vi a série, não vou comparar. A boa notícia é que não precisa ver a série pra entender o filme.

Dirigido por Vicente Amorim (que também estava no seriado) e estrelado por Erom Cordeiro, Silvio Guindane, Natalia Lage, Marcos Palmeira, Bruce Gomlevsky, Dalton Vigh e Vanessa Gerbelli, A Divisão não é um grande filme, mas ganha pontos por ser tecnicamente bem feito e ser uma trama policial ambientada no Rio de Janeiro, no meio de tantos filmes policiais gringos. Também gostei da fotografia usando tons quentes. Mas achei um pouco longo demais, são duas horas e quatorze minutos de projeção.

Por fim, termino repetindo uma frase que escrevi no post de Carcereiros: “Se os multiplex têm espaço para filmes de ação genéricos gringos, por que não teriam espaço para filmes de ação genéricos nacionais?” O cinema nacional precisa de filmes assim!

O Juízo

Crítica  – O Juízo

Sinopse (google): Em crise no casamento devido ao alcoolismo e por ter perdido o emprego, Augusto Menezes decide se mudar com esposa e o filho para uma fazenda herdada de seu avô. O que ele não imaginava era que a propriedade fosse assombrada por Couraça e Ana, escravos decididos a se vingar dos antepassados de Augusto.

Oba! Mais filme de gênero nacional!

O Juízo é um “suspense sobrenatural”*. Mas, diferente da maior parte dos filmes nacionais fantásticos feitos com poucos recursos, O Juízo tem pedigree, é uma produção da grande Conspiração Filmes. Digo mais: parece ser um projeto da família Torres Waddington – o filme é dirigido por Andrucha Waddington, roteirizado por sua esposa Fernanda Torres, e tem no no elenco Fernanda Montenegro (mãe da Fernanda Torres) e Joaquim Torres Waddington (o filho mais velho do casal). Curioso que uma família tão ligada ao cinema tradicional tenha um projeto com cinema de gênero…

O Juízo não é um grande filme, não é um “novo clássico do cinema nacional”. Mas tem seus méritos. Gosto muito da câmera do Andrucha Waddington. Os cenários no casarão no meio do mato são ótimos – o detalhe de não ter energia elétrica na casa ajuda no clima. A trama ainda tem plot twists, e adorei a cena do acidente de carro.

O elenco é excelente. O casal principal, Felipe Camargo e Carol Castro, está bem; Joaquim Torres Waddington, em seu primeiro filme, também segura a onda. Fernanda Montenegro e Lima Duarte, monstros da atuação brasileira, são sempre ótimos. Mas, pra mim, o destaque é Criolo, que está assustador.

Agora, uma história pessoal. Meu filho estuda no colégio com o filho caçula do Andrucha. Num evento na escola, comentei que estava ansioso pra ver o filme, e ele me disse “vou te chamar pra pré estreia”. Veio o convite, fui feliz ao cinema, acompanhado do meu amigo Sergio Junior, do podcast Frequência Fantasma – ver um filme de graça, com direito a pipoca e refri, já era um bom programa por si só. Mas, encontrei a Fernanda Torres, e a sessão virou um evento inesquecível. Ela me perguntou qual sala que heu estava. “Vem ver o filme com a gente, na nossa sala”, e a assessora me deu dois convitinhos com um “R” escrito no canto. Entramos na sala, nos informaram “o ‘R’ é de reservado, vocês podem sentar ali, junto com a equipe e o elenco”. Sentamos numa fileira meio vazia, e aos poucos vieram sentar em volta. Na poltrona ao meu lado, Lima Duarte. Ao lado dele, Carol Castro, e logo depois, Felipe Camargo. Fernanda Montenegro e Gilberto Gil se sentaram pouco atrás.

É, amigos. Ver um filme com essa galera em volta foi uma grande noite!

*Lima Duarte, ao meu lado, antes do filme, puxou papo, e disse que esse era um “suspense sobrenatural”. Gostei, vou usar!

Carcereiros – O Filme

Critica – Carcereiros – O Filme

Sinopse (google): Adriano é um carcereiro íntegro e avesso à violência, que tenta garantir a tranquilidade no presídio mesmo sofrendo com grandes dilemas familiares. A chegada de Abdel, um perigoso terrorista internacional, aumenta ainda mais a tensão no presídio, que já vive dias de terror por conta da luta entre duas facções criminosas. Agora, Adriano precisa enfrentar uma rebelião além de controlar todos os passos de Abdel.

Filme nacional de gênero!

Baseado na série da Globo, que por sua vez foi baseada no livro de Dráuzio Varela, Carcereiros – O Filme tem seus prós e contras. Vamulá.

Tecnicamente falando, o filme dirigido por José Eduardo Belmonte é bem feito. O clima claustrofóbico dentro da cadeia é bom, e temos bons efeitos especiais práticos de “tiro porrada e bomba”. O elenco (Rodrigo Lombardi, Milton Gonçalves, Kaysar Dadour, Tony Tornado, Rafael Portugal, Dan Stulbach, Jackson Antunes) também é bom. Por fim, achei que a batucada do Chico Science encaixou perfeitamente no clima tenso da trilha sonora.

Agora… O roteiro pedia um apuro melhor. O filme até começa bem, mas rolam uns plot twists meio forçados e a trama dá umas voltas desnecessárias. A segunda metade do filme é uma bagunça!

Mas… Como já falei aqui no heuvi em outras ocasiões, dou valor para o cinema nacional de gênero. Se os multiplex têm espaço para filmes de ação genéricos gringos, por que não teriam espaço para filmes de ação genéricos nacionais? O cinema nacional precisa ter espaço para filmes como Carcereiros!

A Cidade dos Piratas

Crítica – A Cidade dos Piratas

Sinopse (filmeB): Inspirado nos famosos quadrinhos da cartunista Laerte. A história mescla a jornada de transição da artista e do diretor, que encara a morte após ser diagnosticado com câncer. Cria-se, então, um abismo caótico entre ficção e realidade na animação mais louca de todos os tempos.

Sou muito fã da obra do Laerte. Tenho várias revistas e livros, incluindo aí todas as 14 revistas dos Piratas do Tietê, compradas nas bancas na época que foram lançadas; e uma coletânea de três volumes em capa dura lançada nos anos 2000. Gosto muito do humor politicamente incorreto que permeia as HQs

O meu pé atrás com A Cidade dos Piratas era porque a gente sabe que hoje o Laerte é um ícone da cultura trans. E essa postura social não parece combinar muito com o estilo de humor presente nos quadrinhos.

Mas, tiro o meu chapéu: misturando filme e animação, misturando ficção com documentário, A Cidade dos Piratas consegue falar de cultura trans e ao mesmo tempo ter humor politicamente incorreto!

A cena inicial é maravilhosa, parece um trecho saído das revistas dos anos 80/90. Mas logo o próprio Laerte aparece dizendo que hoje ele não quer mais fazer aquilo. E, mesmo assim, ele consegue dar o seu recado atual sem renegar o seu passado (inclusive temos trechos de histórias clássicas, como aquela onde Fernando Pessoa está no rio Tietê).

A direção é de Otto Guerra (Rocky e Hudson: os caubóis gays, Wood & Stock: sexo, orégano e rock’n’roll), que também é um personagem, e também traz características da vida pessoal para o roteiro (Laerte aparece filmado; Otto Guerra, desenhado). A técnica da animação é simples, mas quem vai ver um filme destes não está procurando “o novo Pixar”.

Se tem uma coisa que acho que não vai funcionar, é que A Cidade dos Piratas não vai agradar muita gente. Hoje, em 2019, não sei quem ainda se lembra dos quadrinhos. E quem curte animações tradicionais não deve gostar. O público alvo é muito específico.

A Cidade dos Piratas usa muito a metáfora do labirinto – acho que nem Laerte nem Otto Guerra sabiam ao certo qual caminho tomar com o filme. Mas, arrisco a dizer que eles acertaram.

Pelo menos posso dizer que saí do cinema ainda mais fã do Laerte.